quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Memória IV

     Estou estudando um concerto de Vivaldi. Sei que estou fazendo algo impossível para alguém que começou a estudar música tão tarde — tão tarde pelo meu pai que queria que eu fosse um advogado —, mas meus ouvidos sempre exigem perfeição mesmo quando meu professor diz "está bom, rapaz". Antes que eu me esqueça, tal é o concerto — a interpretação seguinte é a mais semelhante à minha interpretação. Para deixar claro, não suporto a interpretação virtuosa-academista de Fabio Biondi, apesar de admirá-lo em todas as suas façanhas barrocas —:



     Partilho convosco por estar felicíssimo. Ele deve-se ao fato de conseguir dar um Mi muito bem afinado entre o vigésimo e trigésimo segundo do primeiro minuto da interpretação que postei.

     Esses dias tem sido de grandes descobertas: descobri que meu pai escreve,descobri que meu pai é sentimental e melancólico quanto eu, descobri que ele também escrevia na adolescência; descobri que ele escrevia poesia no sótão de sua casa; descobri que meu amor pode ser muito bem correspondido pelo V.; descobri que meu pai escreve datas como eu escrevo, sem caracteres separativos dos números das datas, meses e anos; descobri que eu e meu pai temos mais coisas em comum do que pensávamos.

     O fato do V. foi como assim: era réveillon, faltavam cerca de 90 minutos para se findar o 2012, estava a ir para a praia ter com a família. Meu objetivo, depois de esquecer o tempo enquanto estudava música, era chegar a tempo dentro de um táxi num trajeto congestionado. Entre tudo, não parava de pensar em V. Ele disse que também teria com a família, mas em Porto. Foi então que decidi lhe escrever uma pequena mensagem via telefone móvel. Escrevia, e escrevia sem consciência. Não me reprimia, logo disse de meu amor para ele.
     Pensei em apagar as palavras reveladoras e ditas, mas lembrei do que o L. B. T. disse-me: "Ele é feito de átomos. Você pode tocá-lo. Beija logo ou então eu atravesso o oceano para te fazer beijá-lo." Eis um trecho da mensagem que enviei para V.: "... Bom réveillon. (Aqui há um parágrafo)  Em tempo, te dou todo o meu amor e de todo o mundo. (Parágrafo) Abraço, A." (Nota: 22331831122012)
     No outro dia, após tomar um banho, liguei para ele. Conversamos por bastante tempo. Falamos das nossas atividades nos primeiros dias do ano, eu falei de meus estudos, ele me deu alguns conselhos e pediu para eu não ficar ansioso; depois fiz ouvi-lo falar de seus planos de estudos para 2013. Como nas conversas despretensiosas, onde não há o trajetória das palavras é a ausência dela, é a presença do ar como caminho apenas, falei de meus planos para o francês e inglês em 2013. Não citei meu romance e minhas novas inspirações, que pretendo deixar para 2015, se nada me melhor me vier.
     No fim, algo que eu realmente não esperava: ele despediu-me de mim com um beijo. Foi "Beijo!". Fui recíproco; e vibrei quando desliguei o telefone.
     Homens pernambucanos, ao menos eles, não têm o hábito de se despedirem com um beijo em qual' que seja a situação. Tenho muitos conhecidos, de todas as partes da Terra. Trato-os, numa parte maior e considerável, como fui tratado pelo V. na despedida. Então não me seria surpresa um beijo. Mas o V., como pernambucano e não possuidor de tais hábitos, fez-me vibrar em alta intensidade. Foi um progresso. O R. W. falaria: "Até que fim... mas eu gostaria de ser devagar assim."
     O fato que eu não me preocupo, por amá-lo como nunca poderei amar outra pessoa. Quero-o feliz, só. Que seja o que há de ser!

     Andei pensando que o final de Ar e Água terá uma partitura com a música de nosso amor. Claro que eu mesmo farei o arranjo. E , instrumentalmente, pretendo deixar a música mais complexa, com mais veleidades. Terá piano, theremin, um instrumento que pretendia apresentar a vós em "Sobre Quaisquer Cousas", e mais alguns outros instrumentos que estou a decidir se e de. Em fim de escrita, eis o theremin:



     A thereminista querida é a Clara Rockmore. Talvez, depois, eu faça disponibilizar um disco dela. 

     P. S.: Como tenho orgulho dessa orquestra. O governo há de pagar meus trânsitos aéreos se eu estiver longe de Pernambuco e compondo a orquestra ao mesmo tempo nos próximos anos.